Como o cérebro enxerga gráficos: marcas e canais visuais explicados

Você já notou como alguns gráficos “falam” com você instantaneamente — enquanto outros parecem exigir esforço para entender? Essa diferença tem tudo a ver com como nosso cérebro processa imagens e como os dados são codificados visualmente.

Bem-vindo ao segundo capítulo da nossa série sobre Visualização de Dados. Hoje, vamos entender como o cérebro enxerga gráficos e o alfabeto visual que dá vida a qualquer gráfico: as marcas e os canais visuais — e como eles conversam com o cérebro humano.

Marcas: os blocos básicos da visualização

Toda visualização começa com marcas, os elementos gráficos que representam os dados. Elas são as formas geométricas primitivas que dão estrutura a um gráfico e são o ponto de partida de qualquer mapeamento visual.

Segundo Jacques Bertin (1983), pioneiro na teoria gráfica, as marcas são as entidades visuais que carregam a informação. Cada marca representa um item, evento ou medida do conjunto de dados.

Tipos de marcas:

  • Pontos (0D): representam ocorrências individuais e independentes. Exemplo: um gráfico de dispersão que mostra a relação entre idade e renda.
  • Linhas (1D): conectam pontos para mostrar continuidade, sequência ou tendência. Exemplo: séries temporais de temperatura ao longo dos meses.
  • Áreas (2D): indicam proporções, regiões ou agregações espaciais. Exemplo: mapas de calor e polígonos em cartografia.
Marcas visuais (pontos, linhas e áreas).

Figura 1 – Marcas visuais (pontos, linhas e áreas).

Objetivo: mostrar que as marcas são os “blocos básicos” da visualização.

Esses três tipos formam a base da linguagem gráfica. A escolha da marca influencia diretamente como o público perceberá padrões, variações e relações.

Canais visuais: a roupa que as marcas vestem

As marcas sozinhas não dizem nada — é a aparência delas que carrega o significado. Essa aparência é controlada pelos canais visuais (visual channels), propriedades que o cérebro interpreta como variações de informação (Cleveland & McGill, 1984).

Principais canais visuais:

  • Posição: horizontal, vertical ou ambas.
  • Cor: matiz (hue), brilho (luminância) e saturação.
  • Tamanho: comprimento, área ou volume.
  • Forma: círculos, quadrados, triângulos etc.
  • Inclinação: direção e ângulo.
  • Textura e movimento: em contextos interativos.
Canais visuais (posição, cor, tamanho, forma, inclinação).

Figura 2 – Canais visuais (posição, cor, tamanho, forma, inclinação).

Objetivo: visualizar que os canais “vestem” as marcas e dão significado.

Canais são o “como” da visualização — controlam o modo como vemos e comparamos os dados.

Canais de magnitude e identidade

Nem todo canal serve para todo tipo de dado. Ware (2013) classifica os canais em dois grandes grupos, e saber usá-los bem é o segredo da clareza visual.

Tipo de canal
Responde à pergunta
Exemplos
Tipo de dado ideal
Magnitude
"Quanto?"
posição, comprimento, área, brilho
dados ordenados (quantitativos e ordinais)
Identidade
"O quê / Onde?"
cor (matiz), forma, região espacial, movimento
dados categóricos

Em resumo, canais de magnitude comunicam valores e ordens, enquanto canais de identidade distinguem categorias. Essa distinção é essencial para evitar erros de interpretação, como usar matizes de cor para valores contínuos (o que reduz a precisão perceptiva).

Princípios fundamentais

  • Expressividade: combine o canal adequado ao tipo de dado (quantitativo, ordinal, categórico).
  • Efetividade: priorize os canais mais precisos para as variáveis mais importantes.
Canais de magnitude vs. identidade.

Figura 3 – Canais de magnitude vs. identidade.

Objetivo: reforçar a diferença entre “quanto” (quantitativo) e “o quê” (categórico).

Exemplo: use cor ou forma para categorias e posição para valores numéricos.

O cérebro e a percepção visual

Nosso sistema visual é um dos mais rápidos e complexos mecanismos de processamento que existem. Mas há um detalhe importante: ver é rápido, pensar é lento. Ware (2013) explica que o processamento visual ocorre em dois estágios:

Processos visuais

  • Pré-atentivo: automático e inconsciente, responsável por identificar padrões simples, diferenças de cor ou direção em milissegundos.
  • Atentivo: mais lento e deliberado, usado para comparar valores ou interpretar significados complexos.

Memórias envolvidas

Esses estágios dependem da memória visual, dividida em:

  • Imediata: retém informação por menos de 1 segundo.
  • De trabalho: capacidade limitada (3 a 4 itens simultâneos).
  • De longo prazo: armazena padrões e associações aprendidas.

Um gráfico poluído visualmente força o cérebro a usar a memória de trabalho — e a compreensão cai drasticamente.

Critérios de qualidade dos canais visuais

Nem todos os canais possuem o mesmo poder perceptivo. Cleveland e McGill (1984) e Ware (2013) propuseram critérios que ajudam a avaliar a eficiência de um canal em transmitir informação com clareza, ou seja, como o cérebro percebe e distingue informações.

Acurácia

Refere-se à fidelidade entre o estímulo visual e a magnitude real dos dados. A posição é o canal mais acurado, seguida por comprimento, ângulo, área, volume e cor. Por isso, gráficos de barras são mais precisos que gráficos de pizza para comparar proporções.

Discriminabilidade

Mede quantas variações distintas um canal consegue representar sem causar confusão. Por exemplo, conseguimos distinguir bem até 12 cores em pequenas áreas (Healey, 1996). Acima disso, a leitura se torna imprecisa.

Separabilidade

Avalia a interferência entre canais usados simultaneamente. Canais independentes, como posição + cor, funcionam bem juntos.
matiz + saturação ou vermelho + verde tendem a causar conflito perceptivo — problema conhecido como interferência de canal.

Popout (saliência visual)

Descreve a capacidade de um elemento se destacar automaticamente entre outros. Um ponto vermelho entre azuis, por exemplo, salta aos olhos instantaneamente. Esse fenômeno é pré-atentivo, ou seja, processado sem esforço consciente.

Agrupamento

Baseado nos princípios da Gestalt, o cérebro agrupa elementos por proximidade, similaridade e continuidade visual (Ware, 2013). Usar esses princípios permite criar hierarquias visuais intuitivas — por exemplo, aproximar elementos relacionados e diferenciar grupos por cor ou forma.

Critérios de qualidade dos canais.

Figura 4 – Critérios de qualidade dos canais.

Objetivo: exemplo onde mostramos a acurácia, discriminabilidade e saparabilidade dos canais.

Julgamentos relativos e limites perceptivos

O cérebro raramente percebe valores absolutos — ele faz comparações relativas. Essa característica é explicada pela Lei de Weber–Fechner, formulada no século XIX, que diz:

“A menor diferença perceptível entre dois estímulos é proporcional à intensidade do estímulo inicial.”

Em visualização, isso significa que o usuário percebe mudanças proporcionais, não absolutas. Por exemplo, um círculo que cresce de 10px para 20px parece dobrar de tamanho, mas um de 100px para 110px mal parece mudar. Essa limitação explica por que é tão fácil enganar o leitor com proporções mal dimensionadas.

Julgamentos relativos e a Lei de Weber.

Figura 5 – Julgamentos relativos e a Lei de Weber.

Objetivo: ilustrar a percepção de proporção em vez de valor absoluto.

Conclusão

A visualização de dados é uma conversa entre o design e o cérebro humano. As marcas são as palavras, os canais são o tom de voz — e juntos, eles constroem a narrativa visual.

  • Use bem os canais visuais e seus gráficos falarão por si.
  • Use mal, e até o melhor dado perderá o poder de comunicar.

Compreender marcas e canais é dominar o vocabulário da visualização. São eles que determinam se um gráfico será intuitivo e impactante ou confuso e enganoso.

Quando respeitamos a percepção humana, não apenas comunicamos dados — contamos histórias visuais que o cérebro entende de imediato.

Na próxima parte da série, vamos falar sobre abstrações de dados e tarefas — entendendo como o tipo de dado e o objetivo da análise orientam a escolha da visualização.

Se quiser entender melhor os fundamentos da visualização, recomendo o artigo Visualização de Dados: o que é e por que ela importa?

Referências

  • Bertin, J. (1983). Semiology of Graphics: Diagrams, Networks, Maps. University of Wisconsin Press.
  • Cleveland, W. S., & McGill, R. (1984). Graphical Perception: Theory, Experimentation, and Application to the Development of Graphical Methods. Journal of the American Statistical Association, 79(387), 531–554.
  • Ware, C. (2013). Information Visualization: Perception for Design (3rd ed.). Morgan Kaufmann.
  • Healey, C. G. (1996). Choosing Effective Colors for Data Visualization. Proceedings of IEEE Visualization.
  • Weber, E. H. (1834). De Pulsu, Resorptione, Auditu et Tactu. Leipzig: Koehler.
  • Fechner, G. T. (1860). Elemente der Psychophysik. Leipzig: Breitkopf und Härtel.
  • Gestalt Principles of Perception. (2020). Encyclopaedia Britannica.
Compartilhe:

Já tinha pensado que enxergar dados é, na verdade, uma conversa com o cérebro? Conta aí — como você dá vida aos seus gráficos?

Davi Teixeira

Mestrando, Analista de Testes/QA e Desenvolvedor Web.

Todos os Posts

Davi Teixeira

Mestrando, Analista de Testes/QA e Desenvolvedor Web.

Todos os Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados

Desenvolvedor de Software especializado em Desenvolvimento Front-end e Qualidade de Software.

Contato

Categorias

Copyright © 2025 - daviteixeiradev - Todos os direitos reservados.